3 de abril de 2007

Imagem e Cognição



É frequente a oposição entre imagem/verbal. Numa abordagem semântica é possível fazer prevalecer a polissemia da imagem face à limitação das palavras.
Por vezes falta nesta investigação a consideração do conhecimento.
Se há algo que valorizamos em qualquer actividade humana é o conhecimento.
Uma definição básica considera o conhecimento como a representação mental, ou seja, uma forma de representar internamente o “mundo externo”.
Na psicologia cognitiva duas grandes categorias de representações são reconhecidas: as representações proposicionais e as imagens, caracterizadas como uma relação analógica com o mundo. Embora recaíam sobre as primeiras as preferências, há autores que defendem que não há necessidade de considerar as imagens como um tipo especial de representação mental, podendo ser reduzidas a representações proposicionais. Outros argumentos vão no sentido de restituir à imagem o predomínio na ordem das representações mentais – ela tem a sua identidade própria.
Jonhson Laird acrescenta uma terceira categoria: os modelos mentais. Na sua perspectiva há três tipos de representações: proposicionais – são cadeias de símbolos que correspondem á linguagem natural, modelos mentais – são análogos estruturais do mundo e imagens – modelos vistos de um determinado ponto de vista.
A construção do conhecimento pode ser abordada sob diferentes perspectivas. Segundo Piaget a assimilação é o fundamental na actividade cognitiva. Entende o termo assimilação como a acepção ampla de uma integração de elementos novos em estruturas ou esquemas já existentes.
Para Langacker o fundamental no processo cognitivo é a capacidade para comparar eventos e registar contraste e discrepâncias entre eles.
Segundo Lakoff, a base de conhecimento é constituída por duas ordens de estruturas pré- conceptuais – as categorias de nível básico e as imagens esquemáticas. As primeiras correspondem a figuras perceptivas, prestando-se facilmente a interacções específicas e dando lugar a imagens mentais ricas. As imagens esquemáticas, por seu lado, são estruturas simples, de esquemas que dão sentido á nossa experiência quotidiana.
As outras estruturas conceptuais que se elaboram a partir do nível de base e das imagens esquemáticas têm essencialmente a metáfora como processo de projecção de uma estrutura sobre a outra. A metáfora induz uma modificação nos pontos de vista, permitindo fazer certas, e não outras inferências.
A noção de nível de base é o resultado do trabalho de Rosch sobre as categorias mentais.
Rosch chamou a atenção para outros aspectos da estrutura da categorização.
Referindo-se a diversas investigações que estudaram os modos como certas culturas categorizam categorias comuns, usuais, da sua experiência, propôs o conceito de nível básico, o nível de classificação no qual mais facilmente aprendemos, recordamos ou memorizamos. No campo “mobília”, o nível básico é representado por “cadeira”, “mesa”, “cama”, etc. O nível super-ordenado será “mobília” ou “móveis” e o sub-ordenado por “cadeira de baloiço”, por exemplo.
As categorias de nível básico diferenciáveis das categorias super-ordenadas por aspectos que se relacionam com os nossos corpos, cérebros e mentes, nomeadamente, através de imagens mentais, da estrutura de conhecimento.
Estas perspectivas abrem algumas ideias em direcção a uma semiótica cognitiva, em que o aspecto fundamental é a articulação entre os signos externos (essencialmente a linguagem verbal e as imagens materiais) e as imagens e modelos mentais considerados como representações ou signos internos. “Os signos externos não são simples meios de comunicação dos signos internos. Eles são também utensílios externos cujo uso altera as formas e as operações do pensamento” (JEAN PIERRE MEUNIER, 1999).

28 de fevereiro de 2007

A Mensagem Visual

J. Fiske define comunicação como “a interacção social através de mensagens” (2005, p. 14).

Neste post procuraremos fazer uma breve reflexão sobre a mensagem visual como um elemento do processo de comunicação, organizada com base em signos icónicos e plásticos aos quais, com frequência, se acrescentam os signos linguísticos.

Uma reflexão da mensagem visual pressupõe uma breve análise sobre a correspondência com as funções comunicativas originadas pelos elementos do esquema comunicacional – destinador (emissor), mensagem, contexto, contacto, código e destinatário (receptor). (Modelo de JAKOBSON – 1960).
Em FISKE (ibid, p. 55-57), a partir do modelo referido de JAKOBSON, essas funções são assim definidas:
Função referencial – estabelece a relação entre objecto e a mensagem
Função emotiva ou expressiva – descreve a relação da mensagem com o emissor. Tem por objectivo comunicar as emoções, as atitudes, o estatuto, a classe do emissor.
Função apelativa – refere-se ao efeito da mensagem no receptor.
Função estética ou poética – tem a ver com forma de expressão mais atraente para o objecto como signo. Privilegia a forma
Função fática – objectiva confirmar, manter ou cortar a comunicação entre o emissor e o receptor
Função metalinguística – auxilia na definição dos signos que podem não ser entendidos pelo receptor; torna o signo inteligível, pela explicação, facilitando a compreensão da mensagem. O seu objecto é a identificação do código empregado.
Os signos visuais não despoletam ou dificilmente o fazem, processos de significação relacionados com as funções metalinguísta (a imagem não permite descrever-se a si mesma ou falar de si própria) e fática (manter a comunicação entre emissor e receptor). Quanto às outras funções estão abertas ao uso da imagem.

Nos trabalhos de investigação empreendidos pelo grupo Mu, um signo visual tem subjacentes signos icónicos e signos plásticos. Embora autónomos, participam no signo visual, considerado como um todo. No entanto há três tipos de articulação entre os signos icónicos e os plásticos:
Relações de congruência - os signos harmonizam-se no que respeita à significação.
Relações de oposição – há oposição entre eles, o que pode produzir um alargamento ou proliferação de significados.
Relações de predominância – um dos signos domina o processo de significação.
A imagem como elemento da mensagem visual foi analisada pela primeira vez por R. Barthes, em contexto publicitário. Nessa análise, partindo da ideia de que a imagem é polissémica (o que vários autores contestam) pela possibilidade que abre de diversas interpretações, Barthes refere que a associação dos signos linguísticos aos visuais numa mensagem tem como objectivo reduzir o número de significações possíveis. Os signos linguísticos “tem uma função de repressão relativamente a significações não desejadas pelo receptor” ( A . Pereira, 2007, p. 10).

A interpretação das mensagens visuais está condicionada aos aspectos referenciais que ela comporta e, além disso, aos valores culturais e ideológicos do receptor. O peso desses valores pode ser tão forte que destrua todo o valor informativo da mensagem ou pelo contrário, aumente o efeito persuasivo, como acontece com determinadas mensagens publicitárias.

Mais recentemente, dois autores ingleses G. Kress e T. Leeuwen (1966), criaram um modelo centrado nos processos de significação dos intervenientes no processo comunicacional. Segundo esse modelo, as representações visuais podem ser consideradas na mensagem comunicativa de três modos: representação, interacção e como composição. Além disso, tendo em conta a criação e a recepção da mensagem e o que é representado, os autores definiram dois tipos de participantes: participantes interagindo (emissor e receptor) e participantes representados (o objecto de comunicação).

No modo de representação, as representações visuais podem associar-se a estruturas narrativas ou conceptuais. As representações narrativas incidem na construção de acontecimentos e podem integrar outros processos como o diálogo ou um processo mental. É o caso do balão na banda desenhada.

As representações conceptuais, dizem respeito a conceitos, ideias e abstracções (organigrama de uma instituição, mapas geográficos, campanhas de vacinação, onde uma figura de bata branca simboliza o médico).
No modo de interacção, há, segundo os autores, diversos recursos para sugerir a natureza da relação do emissor com o receptor da representação visual (uma expressão facial, uma maior ou menor aproximaçao da câmara numa fotografia).
No modo de composição, esta repercute-se na maior ou menor ênfase de um elemento que integra a representação visual.


Na nossa opinião a teoria desenvolvida por Kress e van Leeuwen apresenta um modelo que valoriza as potencialidades comunicativas dos recursos visuais.



19 de fevereiro de 2007

Signo visual. O modelo do grupo Mµ

No post anterior procurámos analisar o conceito de signo segundo Pierce e, nessa análise, realçar a natureza do signo na sua comparação com o objecto.
Vários são os autores que no campo da semiótica, nos apresentam estudos de diferentes variedades de signos e das diferentes maneiras através das quais estes veiculam significados e se relacionam com as pessoas que os utilizam.
O grupo Mµ, constituído por um conjunto de investigadores, inspirando-se em Pierce, desenvolveram um modelo que apresentam como uma síntese de vários estudos sobre a natureza dos signos.

Na perspectiva destes investigadores o signo icónico pode ser definido como o produto de uma tripla relação entre três elementos: o significante icónico, o tipo e o referente.

Este modelo de signo icónico permite relativizar a distância entre o signo e o objecto, afastando a questão da semelhança.

O referente não é necessariamente um objecto real, mas uma actualização de um tipo, sendo este último uma representação mental estabilizada, constituída por um processo de integração que, confrontada com o produto da percepção, o significante, está na base do processo cognitivo.

Os autores descrevem a emissão dos signos icónicos como a produção, no canal visual, de simulacros do referente por transformações que ocorrem a partir do tipo correspondente ao referente.
A recepção dos signos icónicos, por sua vez, identifica um estímulo visual como procedente de um referente que lhe corresponde mediante transformações adequadas.

Ao longo da sua obra os investigadores contrapõem signo icónico e signo plástico. No entanto, interrogam-se se este último tem uma função semiótica própria que seja generalizável.
Na literatura sobre signo visual constata-se que muitas afirmações sobre um eventual significado plástico remetem para o icónico por intermédio da identificação de determinantes. Na opinião do grupo, é o acontece quando se comenta, por exemplo uma estampa japonesa invocando o significado de tristeza pelo significante curva. Não se trata de curvas em geral, mas de algumas, em particular, que previamente foram objecto de uma identificação icónica e associadas ao conceito de tristeza. Por exemplo, as curvaturas de um ramo de árvore.

No quadro que a seguir apresento, do pintor holândes Jan Vermeer, estamos, na minha interpretação, perante um signo visual. Um signo icónico, que representa a tranquilidade doméstica, com destaque para a bacia e a jarra dourada que associamos tradicionalmente a pureza. Também um signo plástico. O jogo de cores e luzes que observamos, por exemplo, no rosto da jovem e na sua touca e as matizes na parede, resultado da incidência da luz.

29 de janeiro de 2007

O Signo segundo Pierce. Iconicidade e Indexalidade


São vários os domínios onde a imagem tem sido objecto de estudo, desde a História da Arte, à Publicidade e à Semiótica.
No campo da Semiótica a imagem é um signo, assim como outras representações visuais, não consideradas imagens, são enquadráveis em categorias de signos visuais.
Pierce fundamenta o conceito de signo em três categorias gerais do pensamento a primeiridade (as ideias desta categoria são puras aparências), a secundidade (categoria “do encontro com o facto brutal do mundo exterior”) e terceiridade (categoria “da consciência reflectida, do pensamento criativo e mediato (…) ligada às ideias de generalidade, de continuidade, de representação e de mediação”. (A. Pereira, p. 7)
O conceito de signo, segundo Pierce, tem subjacente a terceira categoria. Signo é “algo que está para alguém por algo, sob algum aspecto ou capacidade” (ibid, p.8).
O autor dá-nos uma ideia de signo como uma relação entre três entidades – o representante (gesto, grafia, som), o interpretante (conceito, ideia ) e o objecto (material, existente, conceptual, imaginário ou não). A um gesto, a um som, é dada uma interpretação (pensamento) e associa-se a um objecto que pode ter ou não uma existência real. Mas, interpretante também pode ser, num sentido mais lato, uma acção, uma experiência ou um sentimento. Nesta perspectiva, o conceito de signo segundo Pierce é abrangente – tudo pode ser considerado signo.
Segundo o autor, o signo pode ser analisado segundo três ópticas: na relação com o representante, com o interpretante e com o objecto. Na relação com o objecto, Pierce considera possível definir três classes de signos: os ícones ( se o signo mantém uma relação de semelhança com o objecto), os índices (se a relação é casual) e os símbolos ( se a relação é arbitrária). Neste sentido todas as representações visuais são signos, desde as fotografias, ao fumo como sinal de fogo, um determinado sintoma associado a uma doença, a bandeira de um país…
O conceito de ícone é complexo. Pierce fala-nos do signo icónico como o que representa “o seu objecto principalmente por similaridade”, o que por vezes se confunde com imagem. (ibid p. 15). Mas, a imagem, na perspectiva do autor, é apenas um dos “hipoícones”, ou seja, uma das três subcategorias em que o autor dividiu os ícones, com base na natureza da semelhança entre o signo e o objecto: as imagens (quando a semelhança é qualitativa), os diagramas (se é estrutural) e as metáforas (quando existe paralelismo entre o representante e o objecto).


Será que numa representação visual a relação com o objecto funciona apenas com uma categoria de signo?


Pierce considera que pode existir uma multiplicidade de interpretações e que por sua vez o interpretante pode remeter para outros objectos ou para outros signos.






20 de janeiro de 2007

Breve reflexão pessoal sobre a natureza da imagem




The end of the day - Monet

O texto “Imagens, cópias da realidade ou elementos construtores da realidade?” levou-nos a uma reflexão, embora sucinta, sobre alguns aspectos que nos parecem fundamentais relativos ao conceito de imagem.
O primeiro está relacionado com o próprio termo imagem. Este termo permite um leque muito diverso de significados que vão desde reflexo (de um universo visível), passando por sombras, de que nos fala Platão, até às imagens mentais ou signos.

“(…) parece que a imagem pode ser tudo e seu contrário - visual e imaterial, fabricada e “natural”, real e virtual, móvel e imóvel, sagrada e profana, antiga e contemporânea, vinculada à morte, analógica, comparativa, convencional, expressiva, comunicativa, construtora e destrutiva, benéfica e ameaçadora”. (Joly, 1996 p.27) 1

É este sentido polissémico do termo que nos exige particular cuidado na limitação do significado, conforme é referido no texto analisado.
Um segundo aspecto respeita à relação entre a imagem e a realidade. Por um lado, a perspectiva de que a imagem pode ser vista como possuindo traços comuns com aquilo para que nos remete – cópia da realidade. Por outro lado, a que admite a imagem como resultado da comparação que o produtor faz entre esquemas prévios (que possue) e observações empíricas. “O resultado não será uma cópia que vai reflectir o universo como verdade transcendente”.
Um terceiro aspecto prende-se com as funções que a imagem assume, designadamente a função epistemológica. A imagem dá-nos informações sobre o mundo, tornando-se assim, num instrumento de conhecimento.
No caso dos Descobrimentos, referido no texto, ela forneceu-nos um aumento considerável de conhecimentos sobre objectos, os lugares, as pessoas, através de livros, roteiros, diários de navegação…
Enfatizamos a importância da imagem na construção do conhecimento nomeadamente no campo científico (medicina, astronomia, matemática, física). Neste âmbito ela poderá ocorrer quer através de imagens “verdadeiras ou reais” ou resultantes de simulações.


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(1 ) JOLY, M., (1996), Introdução à análise da imagem, Campinas, Papirus




13 de janeiro de 2007

Depus a Máscara

Depus a máscara e vi-me ao espelho.
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sem a máscara.
E volto à personalidade como a um términus de linha.

Álvaro de Campos